Para o 3 Ano do Ensino Médio
Sobre Política e Jardinagem ~ Rubem Alves
De todas as
vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim vocare, quer dizer
chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’.
No lugar desse ‘fazer’ o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo. Psicologia
de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.
‘Política’ vem de
polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e
manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria
aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço
da felicidade dos moradores da cidade.
Talvez por terem
sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com
jardins. Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele
criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele
nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’.
O político por
vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande
que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De
que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o
deserto inteiro se transforme em jardim.
Amo a minha
vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem
amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta
forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de
verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação
tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada:
bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro
tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos.
Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser
um motivo de esperança.
Vocação é diferente
de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na
profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se
deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela
alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que
recebe dela. É um gigolô.
Todas as vocações
podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de
todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu
jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o
deserto e o sofrimento.
Assim é a política.
São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda
tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica
o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado
por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: ‘Eu jamais poderia
ser político com toda essa charlatanice da realidade… Ao contrário dos
‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político
pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição
do homem.’ Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma
árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.
Nosso futuro
depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O
triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de
atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de
conviver com gigolôs.
Escrevo para vocês,
jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos
dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela
gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação,
direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas
afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do
lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante
participar dos destinos do jardim?
Acabamos de
celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar,
não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas
são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma
parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter
sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram
jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que
poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo
transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns
poucos encontram vida e prazer.
Há descobrimentos
de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os
políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um
novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande
jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar
árvores à cuja sombra nunca se assentariam.
Questões. 1. No que
se difere a concepção política da Grécia antiga com a concepção judaica?
Diferencie o Político jardineiro (que vive para a política) do Político
Fisiológico ( que vive da política)?
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